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A família em vertigem

Por Edgard Leite (Diretor do Instituto Realitas) @edgardleiteneto



A família é, como bem entendeu Aristóteles, a base a partir da qual se estrutura a sociedade. Isso é absoluta verdade.


A família é um fenômeno natural, e sua função é protetora e formadora. Permite a proteção diante das adversidades do mundo. E propicia a aquisição do senso de responsabilidade.


É a primeira experiência de coletividade, na qual se depreende a relevância e superioridade do bem comum sobre os desejos particulares.


Nela se aprende o significado do bem e do mal, do certo e do errado, e se vivem essas dimensões morais e éticas de forma pioneira e fundadora. Com todas as suas possibilidades e impossibilidades.


Além do mais, é na família que se experimenta o milagre da vida. Isso tem efeitos sobre todos que o vivem. E é o espaço por excelência da vivência do amor.


Para nós é evidente que a família é a base. A desestruturação da instituição familiar implica em desestruturação da sociedade.


A tese fundadora de Aristóteles jamais foi destruída pela experiência. Ao contrário, foi sempre reafirmada. Principalmente pela ação de seus críticos.


O socialismo do século XX, ao tentar construir uma sociedade igualitária, teve na ruptura da família um dos seus objetivos essenciais.


Na União Soviética e em outros países socialistas, era comum a tentativa de criar as crianças separadas de seus pais.


O objetivo era o de permitir que o papel ordenador do núcleo de relações íntimas familiares, responsabilidade dos pais, fosse assumido pelo Estado.


Tal tentativa pretendia tornar a sociedade uma grande família, com os dirigentes políticos numa posição dominante. E as leis, na sua letra, no papel dos sentimentos complexos que perturbam e constroem as famílias.


Tratava-se de uma tentativa de dissolução das afetividades, pois a família é uma escola de sentimentos.


A sociedade como um todo, desprovida de ternura, tornava-se, portanto, um espaço árido para o desenvolvimento da intimidade. Nela estariam, sempre, os seres humanos diante de desconhecidos.


Não haveria amor, nem ódio, nem ternura, ou rejeição, na sociedade. Apenas relações de utilidade. E, numa sociedade laica, cujo foco é a garantia dos direitos, apenas direitos. Ou, no caso do socialismo, poucos direitos.


Ora, a existência familiar, como escola de afetos, é uma experiência contínua de transcendência de direitos.


Pois só submetendo os direitos aos deveres, ou aos sentimentos, ou ao amor, é possível ser família. E, a cada um, aprender e crescer a partir da família.


A crença de que uma sociedade diferente, igualitária, necessitaria da dissolução da família continuou no século XXI.


E continua sendo uma crença centrada na defesa de um sistema judicial que conceda aos membros da família direitos que inviabilizem a complexa teia de afetividades familiares.


É certo que a família sempre foi respeitada em sua intimidade, mas igualmente sempre foi administrada, pela sociedade. Para impedir, dentro dela, excessos e violências.


Legislações do mundo antigo deixam isso claro. E também a Bíblia. Há coisas que nunca se puderam fazer, dentro do núcleo familiar, e a história nos lega uma extensa legislação sobre o assunto.


Porque a família tem que ser preservada, às vezes, dela mesma.


Mas dentro dos limites do aceitável, do ponto de vista moral e material, a intimidade familiar não só foi sempre defendida como igualmente foi entendida como sagrada.


Por conta do seu extraordinário poder em construir afetividades, em ensinar a ceder, para ser, em amar, para perdoar. Para formar seres humanos.


A preponderância do direito sobre a afetividade, da individualidade sobre o coletivo familiar, no entanto, continuam a estimular, dessa vez de forma mais profunda, a dissolução da família.


Pois apelam aos seus movimentos desagregadores internos, muito naturais também.


O papel da família é reforçar certas obediências, certas aceitações, certos sentimentos, que exigem renúncia ao que se é, para que a família funcione. Assim, há sempre dissidências naturais e espontâneas no meio familiar.


A família é constituída de seres humanos que vivem o continuo paradoxo de viver seus desejos e renunciar a eles.


Por isso a lei sempre pode fortalecer uma inclinação circunstancial e transformá-la em movimento de ruptura. E aí o caráter absoluto dos direitos se sobrepõe à subjetividade do amor e do perdão.


Mas nos parece que todo esse movimento continua sendo inútil.


A experiência soviética mostrou que, desmoronado o regime socialista, as pessoas voltaram à família com uma emocionalidade absurda.


O regime russo, posterior, emitiu extensa legislação que preserva diversos direitos dos pais e da família, isolando esta do Estado e do restante da sociedade em diferentes pontos.


Essas decisões foram tomadas por demanda da própria sociedade. Amargurada por três gerações de destruição e assolação da vida familiar.


A grande questão é que, boa, ou má, funcional, ou disfuncional, a família é o mais íntimo espaço de relacionamento que tem os seres humanos.


Ali é como um quintal da consciência, onde as coisas essenciais estão livremente dispostas. E reúne os únicos seres humanos que realmente conhecemos.


Esse sentimento, que pode permitir o florescimento do amor verdadeiro, que não encontra limite no individualismo e nos seus desejos, é a mais nobre experiência de afetividade que tem os seres humanos.


Na vertigem das famílias ameaçadas pelo Estado, e por um direito insensato, só há uma solução, para o indivíduo. Aquela que o coração pede sempre: o retorno ao lar. A necessidade da família.


Embora esteja sendo sempre ameaçada, e já o era, mesmo antes do Iluminismo e do socialismo, nada, de fato, pode destruí-la.


Ela é base necessária da sociedade, dizia Aristóteles, mas também de toda afetividade.


E ninguém pode destruir a sensibilidade humana sem destruir o próprio ser humano.

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