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A intimidade triunfante


Edgard Leite Ferreira Neto


Embora o mundo esteja, aparentemente, dominado pelas redes sociais, nas quais o privado transborda para um universo devassado e que essa esfera pública seja um local onde possa ser até obrigatório expressar suas preferências afetivas, a intimidade sempre resiste ao massacre.


Podemos passar horas olhando as vidas particulares de todos os conhecidos e desconhecidos. Nelas há sempre amores, encontros, sucessos.


Se cada um é o vendedor de si mesmo, é normal que seja assim. Sempre foi assim, como usualmente insistimos. As roupas sempre foram mais bonitas que as atitudes, e ornar-se de ouro um objetivo histórico do ser que aqui vive. Mesmo na maior pobreza, espiritual ou material, o embelezar-se se impõe - quando se trata da aparição do ser no mundo.


Mas aonde o desespero e a tristeza aparecem? Na nossa tradição há lugares onde podemos ver humanos buscando aquilo que nunca pode ser vendido ao próximo. A tragédia da consciência destruída e aviltada ou o abismo da dor diante da fragilidade do mundo espelha a tragédia do Homem que aqui vive, e isso aparece apenas diante de Deus. Num único e verdadeiro espaço de verdade.


Se não há Deus essa intimidade é o vazio. Muitas vezes, eventualmente, ela se exterioriza para uma outra pessoa, por isso dita íntima. Mas esta entenderá completamente o sofrimento individual do próximo? Muitos sofrem, percebendo que nem sempre. Não é incomum, portanto, que, diante do vazio ou de um próximo normalmente distraído ou imerso em si, todo sentido da existência colapsa. Pois quem pode entender a dor, senão alguém que está além de qualquer dor?


No mundo é nos espaços religiosos que o real transparece. Muitos vão ali muito bem vestidos, por respeito, outros por tentar estender ao espaço da fé aquilo que há no reino das aparências.


Mas se olharmos, com atenção, não se pode deixar de perceber as tristezas, angústias ou esperanças diante da devastação do tempo e das expectativas sempre frustradas, ou da eminência e realidade da morte. Só aí a intimidade se coloca de forma completa. E Deus, de forma inexplicável, a aceita como uma oferenda, um sacrifício.


Colocadas nas mãos de Deus, de sua ordem profunda e estruturante, as dores se libertam do vazio ou das avaliações instáveis do Homem. A intimidade revela, então, o abismo da condição humana. Porque está o ser diante tanto da profundidade que lhe deu origem quanto da dor pela qual alcança a redenção.


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