Edgard Leite Ferreira Neto
O sentimento de que as gerações anteriores eram mais sólidas em suas condutas não é novo e tem sua razão. Toda a grandeza do passado sempre cerca os que vivem no presente e é difícil que estes concebam a si próprios como capazes de produzir algo igual ou análogo aos que outros antes deles produziram. Tudo vem de outro tempo sem que nós tenhamos naquilo posto a mão.
Os homens do presente lidam com seu próprio processo de crescimento e amadurecimento num mundo já dado, e o momento é foco de contínua insegurança. E vindo o passado a eles como um todo, nem sempre se dão conta, por estarem inseridos no fluxo do tempo, de que tudo muda e nenhum momento é igual a outro nos seus desafios, mas, principalmente, que aquilo que chega a nós é uma mistura de construções e colapsos.
Embora a verdade continue sendo a verdade, as circunstâncias e os problemas de cada tempo são diferentes. A profundidade de um intelectual de uma universidade do século XVII, na sua busca pela verdade, era a mesma daquele que no século XX a buscava. Numa universidade alemã na época das guerras religiosas, os desafios do momento eram uns, no da universidade democrática mexicana do século XX estes eram outros. Mas a inclinação e o alcance do verdadeiro se colocavam como desafios intelectuais imensos em ambas épocas.
Na época de Kepler (1571-1630), por exemplo, as perseguições religiosas e os massacres em nome de Deus impediam que a imaginação se tornasse o eixo da construção de sistemas teóricos. Já que eram muito difíceis e arriscados os caminhos das teorias. Kepler, que queria tanto entender a órbita dos planetas como experiência metafísica, desistiu desse objetivo, diante de tanta conflagração espiritual. A experiência da pureza da matemática, concluiu, era suficiente para afirmar algo. Não era assim século antes, mas era assim, reduzida, que a questão se colocava. Mas era fato que, por suas leis planetárias, assim se alcançava a verdade.
No México do século XX, tantos jovens sem respeito pela experiência dos mais velhos consideravam que tudo estava por ser construído, e ignoravam aquilo que havia antes - e o faziam de forma radical e violenta. A busca, daquele que pensava com profundidade, tinha que se concentrar nos fundamentos do pensamento, na busca da antiga filosofia e do tomismo, unicamente para poder fazer sobreviver a verdade no meio dos enganos. E conduzi-la adiante. E o fazia em meio ao caos dos confrontos políticos.
A ideia de falências culturais é verdadeira na dimensão de que a crítica posta pela experiência transitória das coisas faz colapsar continuamente alicerces de entendimento e meios e arcabouços culturais. Mas não no sentido de representar uma crise real do movimento humano em busca da verdade, pois este se dá de forma contínua mesmo nas piores circunstâncias.
Pode-se também entender que a amoralidade e a imoralidade são movimentos contínuos, próprios do mundo, e que há momentos em que absorvem toda uma sociedade, como em Sodoma e Gomorra. No entanto, como nessas duas infelizes cidades, há sempre alguém, como Ló, capaz de sobreviver e negar a absorção.
A contemplação do passado não nos permite pensar que este tempo seja pior que os tempos anteriores, ou que o passado seja mais sólido que o presente, porque as mesmas dinâmicas, éticas e morais, conflitantes, que existem hoje, existiam no passado. E situações tão dramáticas como as atuais também se instalavam em tempos pretéritos. Porque embora, neste e em outros instantes, a quantidade de meios desagregadores possa ser imensa, a qualidade é a mesma de Sodoma: trata-se sempre do movimento humano de submissão a um instante sem dono.
Podemos falar, no entanto, de renascimentos contínuos? Sim, o livro dos Juízes trata desse movimento histórico com muita inspiração: os hebreus naufragavam permanentemente, após algumas gerações, e sempre ressurgiam no seu compromisso com Deus. Mas tal movimento é testemunha que os colapsos são breves como o o desejo pelas coisas do mundo e compõem o quadro dentro do qual se reencontra, continuamente, a verdade.
O sentimento que entende o nosso tempo como pior que os anteriores não é, portanto, totalmente verdadeiro. O é, pelos desafios, sempre novos, inusitados - e essa insistência no erro é sempre pior. Mas não o é pela sua dinâmica. Pois o combate aqui existente existia mesmo em momentos nos quais a conduta era mais sólida e a verdade mais universalmente reconhecida. E tal dinâmica pode ser entendida como uma luta contínua contra o colapso, ou contra o império dos sentimentos erráticos humanos.
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