Edgard Leite Ferreira Neto
Pela mentira, narramos algo completo, para obscurecer as coisas incompletas da realidade. A narrativa mentirosa é legitimada pela expansão ilimitada de nossos desejos. Obscurece o fato de que o mundo real nunca corresponde ao que pretendemos. O sentimento que envolve a mentira, evocando as coisas do mundo, dá a este um encantamento ilusório. Pode ser algo banal e divertido, como numa anedota, ou trágico e cruel, como numa difamação ou num projeto político extravagante.
A mentira promove o esquecimento das dores, mas, principalmente, turva, para nossos olhos e sentimentos, a maravilha da eternidade onde, aí sim, tudo é verdade, felicidade e completude. E faz com que coloquemos num pedestal de encantamentos a realidade fragmentada e usualmente hostil do mundo real. Representada, no entanto, de forma imaginária.
Há algo mais nisso, que se percebe na leitura do Evangelho de João, onde Jesus é muito sério ao dizer aos fariseus que
"vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira”(Jo 8:44).
É o diabo, o mal, quem nos faz viver o mundo como um campo de realidades imaginárias? É essa força tentadora que está ao nosso lado tantas vezes, e nos movimenta para a mentira? Assim é. Mentirosos crônicos, como certas personalidades políticas, parecem destinadas não apenas a mentir, mas a pecar descontroladamente e a ensinar a mentira. E extrapolam, em muito, a simples fantasia tornada perversão.
É o mal, realmente, o que nos faz afirmar existir no mundo uma aberrante completude e uma estranhíssima incorruptibilidade. E isso através das diferentes formas que o encantamento perverso com a mentira pode suscitar.
Santo Agostinho afirmou que "a mentira deve ser evitada pela verdade, conquistada pela verdade e aniquilada pela verdade” (Contra a Mentira, 12). O nosso caminho para a verdade nos afasta das ilusões do mundo, permite-nos ver o que é. E aceitar a vontade da intencionalidade do mundo como algo que vem de Deus: que é verdade e expressa a verdade.
Este assunto, acredito eu, é complexo, mas, lendo-o com parcimônia se torna bastante inteligível e nos mostra a sua importância vital!