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A mentira como missão: a intentona de 1935

por Edgard Leite (Diretor do Instituto Realitas)

Nenhum acontecimento político demonstrou de forma mais intensa o poder da mentira que a intentona comunista de 1935.


De certo que toda a experiência soviética, desde o princípio, e as ações nazistas, igualmente, tinham elevado a mentira ao patamar de prática perfeitamente aceitável, e mesmo mandatória.


E isso teve efeitos sobre toda a política do século XX.


Mas a dedicação comunista ao tema sempre foi intensa e, ali, a mentira assumiu dimensões inimagináveis, pois se entendia que podia de fato ocupar o lugar da verdade e se tornar uma.


Sob a feição de delírio, foi motor que impulsionou as ações de multidões, que perdiam, como num transe, a percepção de que tudo aquilo que repetiam não era verdadeiro.


Mas a força que daí advinha era tão impressionante que movia pessoas na direção da morte como se estivessem indo no rumo da vida.


Gustavo Marques, num livro notável, O Livro Negro do Comunismo no Brasil: Mitos e falácias sobre a história da esquerda brasileira, mostrou, de forma correta, do ponto de vista documental, como desde a criação do PCB, em 1922, tudo ali era movido por mentiras.


A ânsia de construir mentiras que pudessem potencializar a ação partidária levava a uma competição absurda sobre quais visões bizarras sobre a realidade deveriam ser inventadas para que todos se mobilizassem e se movessem na direção da revolução.


Assim, sob a batuta da União Soviética, iam mudando as narrativas e buscando adequá-las àquilo que fosse capaz de gerar maior comoção e movimento.


Dentro do partido, a principal arma de combate político era a mentira, também. Líderes eram atacados e depostos após insistências contínuas em difamações e calúnias mentirosas e abjetas. Quanto mais mentirosas mais eficientes.


Mas a capacidade da mentira em gerar eventos pode ser melhor analisada num momento importante da história do Brasil: a intentona comunista de 1935.


Gustavo Marques comprova como toda ela foi construída através de uma rede de cumplicidades em torno de mentiras que não poupava nenhum aspecto da realidade na sua busca de deformação.


Mentir era parte da missão revolucionária.


Não é de espantar, portanto, que o Secretário-geral do Partido Comunista de então, Antonio Maciel Bonfim, dito Miranda, tenha sido um mentiroso maior, capaz de construir mentiras aptas a realizar o que a Internacional Comunista e os comunistas queriam: a revolução.


Se faltasse um exemplo histórico para demonstrar o poder da mentira, 1935 é a prova disso.


Miranda se caracterizou por ser um mentiroso profissional. Certa vez, os comunistas marcaram uma passeata contra Vargas, que fracassou totalmente. Miranda foi, constatou o fracasso, e comentou a uma militante que não havia ninguém no ato.


Sentou-se diante da máquina de escrever, no entanto, e descreveu o sucesso da "manifestação monstro. Repleta de gente”. Questionado, respondeu que “é preciso dizer isso”. Pouco depois, numa revista do Partido Comunista do Chile, saiu a notícia do sucesso da passeata no Rio, que teria reunido em torno de 100.000 pessoas.


O entendimento desse mecanismo político o levou a Moscou, à reunião da Internacional Comunista, em 1934. Ali, no âmago do regime da mentira, entendeu-se perfeitamente com os russos.


Afirmou aos soviéticos que o Brasil tinha “mais de 100.000 trabalhadores ligados ao PCB”, que havia uma “profunda crise revolucionária no país” e que os cangaceiros (sim, os cangaceiros, ladrões, estupradores e cruéis) “conclamam à luta, unificam todos os miseráveis, que lutam pelo pão, pela vida”.


“Dirigimos todas as greves”, “70% dos soldados simpatizavam com o PCB”. Cita Gustavo Marques:


“Numa só província da Bahia”, afirmou Miranda, “os guerrilheiros constituem destacamentos de 1.500 pessoas armadas de metralhadoras”; “Lampião e seus partidários são guerrilheiros cujos nomes e façanhas correm de boca em boca, como atos arrojados de defensores da liberdade…”


Nessa mesma reunião a Prestes se atribui a opinião de que só "o PC seria capaz de dirigir os cangaceiros”. O que, no entanto, talvez fosse uma meia verdade. Qual seria a real identidade entre os comunistas e os cangaceiros? Mas esta é uma outra questão.


Esse volume absurdo de mentiras foi acompanhado pelo Comintern, em Moscou. Este não poupou esforços em afirmar a situação pré-revolucionária brasileira, o prestígio do modelo soviético entre “operários e camponeses” e “cangaceiros", no Brasil, e a virtualidade de instalação de um governo sob domínio comunista, derivado de um golpe militar.


Para reforçar a mentira, mandou para o Brasil técnicos em táticas militares e explosivos, comunicações, doutrinação política e algumas dezenas de milhares de dólares.

Para apoiar a mentira.


Como se sabe, a intentona começou a 23 de novembro de 1935, em Natal, Rio Grande do Norte, sendo acompanhada por Recife, no dia 24, e afinal, Rio de Janeiro, no dia 27.

O movimento foi facilmente derrotado, em todas as três cidades, confirmando que não tinha qualquer tipo de apoio mais amplo na sociedade.


Mas dificilmente ele teria ocorrido se não fosse o transe criado pela mentira, a crença em pressupostos mentirosos que uniu mentes aqui e na União Soviética.


Os dirigentes sabiam, muito bem, que era tudo mentira. Tanto os brasileiros quanto os russos tinham ciência disso. Mas apostar na mentira dá sempre algum resultado.


A foto dos rebelados saindo presos, do III Regimento de Infantaria, após uma fuzilaria onde várias pessoas foram mortas, algumas, inclusive, dormindo, mostra que esse transe continuava mesmo após a derrota.


Embora liquidados pela realidade, sem nenhum apoio popular, desprovidos de qualquer simpatia da sociedade, os revoltosos saíram rindo, debochados. Como se tivessem vencido.


Extraordinário poder da mentira, que resiste, muitas vezes, à evidencia da realidade.

Uma doença, capaz de muitas coisas, inclusive levantar regimentos. Mas não capaz de derrotar a verdade.


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