por Edgard Leite, Diretor do Instituto Realitas
É natural que a aparência seja essencial, na venda de um produto. Principalmente num mundo totalmente voltado para o efêmero, onde o culto do instante e de sua transitoriedade é fonte de satisfação. Mesmo que dolorosa, porque de curta duração.
A importância da aparência na venda de um produto, principalmente quando ela gera sentimentos extremados, foi muito bem demonstrada pelo escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900), no final do século XIX.
Oscar Wilde tornou-se particularmente conhecido, nos meios culturais inglês, francês e americano, pela sua maneira extravagante de se vestir e de se portar. Esta gerava imediatas reações na mídia, normalmente negativas, mas que, ao promover o inusitado, promoviam também sua obra.
A aparência, no entanto, não revela imediatamente a enteléquia, a finalidade do fenômeno. O seu conteúdo. A aparência diz pouco, muitas vezes, sobre a qualidade do produto.
Por isso a obra de Oscar Wilde ainda hoje é considerada irregular por muitos críticos. Principalmente porque seu, diríamos, prestígio era muito devido à sua personalidade exuberante.
A União Soviética (1922-1991) foi um dos primeiros Estados a levar a sério a política das aparências. Tudo na sua política era fundado nas aparências.
A vida de seus líderes era secreta. Mas sempre apareciam em atitudes simpáticas. A maneira como suas decisões eram tomadas era oculta de todos. Mas eram apresentadas como decisões democráticas. Sempre.
Os processos de Moscou (1936-1938), por exemplo, e todas as ações de repressão política, até 1991, foram atos criminosos de perseguição e vingança pessoais. Apresentados, no entanto, como processos corretos e imbuídos de preocupações políticas elevadas e de interesse de todos.
A arte oficial do regime era o que foi chamado de Realismo Socialista. Na prática uma representação artítica do culto às aparências.
Era uma arte etérea, deslocada da realidade. Na qual estava presente um espírito de bem-estar que não correspondia à realidade que se vivia. Mas que parecia anunciar, no futuro, uma outra realidade. A realidade da aparência.
Nesse sentido, parecia que os soviéticos tinham em mente os aforismos de Oscar Wilde:
"o primeiro dever da vida é ser tanto artificial quanto for possível”
Ou
“Em todas as questões sem importância, o estilo, e não a sinceridade é o essencial; em todas as questões importantes, o estilo e não a sinceridade é o essencial”.
Esse regime de aparências, artificialidades, falsidades, no entanto, era julgado, por aqueles que o seguiam, não pela sua enteléquia, pela sua realidade interior, pelo que ele continha, mas pelas suas imagens.
Principalmente pela capacidade que essas tinham em transmitir a ilusão de algum tipo de sentimento de sagrado, superior.
Sagrado expresso, estranhamente, num mundo onde todos morrem, na apresentação icônica de seus líderes e fundadores. Que sendo humanos, eram mostrados como imortais. Criaturas que venciam a morte. Como Lenin, um dos fundadores, cuja mumificação expressava a ilusão de que não morrera.
Vendia-se, assim, a crença na eternidade das coisas humanas, Representada em imagens de uma juventude incorruptível. Expressão de um sistema eterno no qual tudo que implicava em derrota e morte desaparecia.
Isso nos lembra, de fato, o decadentismo do século XIX. Mas, é necessário dizer, de forma alguma Oscar Wilde pode ser considerado um profeta desse estilo e dessa perspectiva de entender a realidade.
Embora Oscar Wilde alimentasse sua fama por ações inusitadas e por um culto à aparência e à juventude que pouco revelava de si, e ocultava a realidade do mundo, o seu gênio pode, no entanto, ser entrevisto num texto onde faz, de alguma forma, a crítica de si mesmo. A crítica dessa visão.
No seu romance O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde nos conta a história de um jovem, fisicamente lindo, Dorian Gray, que foi retratado, de forma magnifica, por um pintor genial, Basil Hallward.
Dorian, ao contemplar esse retrato, expressou o desejo de ficar eternamente jovem e belo, como na pintura, desejo que foi atendido.
Dorian, no entanto, era um ser humano monstruoso e imoral. E se tornou ainda pior quanto mais imerso ficou nesse devaneio fantástico.
Totalmente voltado para um culto sensual e egoísta do mundo, cometeu todo tipo de atrocidades e maldades. E embora ele, fisicamente, permanecesse sempre maravilhoso, seu retrato começou a apresentar todos os sinais de sua crueldade. Exteriorizando sua monstruosidade.
Ele escondeu a tela, mas a visão do horror, ali estampado, o levou ao ato final de tentar destruí-la. Isto é, destruir sua realidade, aquilo que ele realmente era. Isto o conduziu, evidentemente, à própria morte. Precisamente ao encontro do real. A tela voltou então ao seu original: o retrato de um jovem belo.
E, assim conclui Wilde:
“no chão estava estendido um morto, em trajes de noite, com uma faca no coração. Um homem ressequido encarquilhado e de rosto hediondo. Somente depois de terem examinado os anéis foi que reconheceram que era ele”.
De fato, essa crítica profunda ao culto das aparências e ao império da artificialidade, revela o brilho de Oscar Wilde.
Observemos que por ter em si esse questionamento, essa dúvida, ele se converteu ao catolicismo, antes de morrer. Assumindo, portanto, diante de uma dimensão não-transitória, Deus, seus pecados. E expurgando seus sofrimentos.
Não é certamente o caso da União Soviética, a qual, como projeto, modelo e expressão de uma atitude política, manteve sempre uma imagem de perfeição, quando era, na verdade, um projeto monstruoso.
Mas jamais recuou dessa monstruosidade.
O seu colapso, como o de Dorian Gray, não deve nos iludir a partir do que restou de sua imagem. Por que essa não revela o horror que foi sua tentativa de construir um sistema a partir de artificialidades, falsidades e aparências.
Mas que era, apenas, um sistema hediondo, cruel e brutal.
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