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A vitória da lembrança


Por Edgard Leite (Diretor do Instituto Realitas)


A estátua de Winston Churchill (1874-1965), em Londres, foi vandalizada por uma multidão enfurecida. O fato ocorreu em 2020, no exato dia do aniversário do desembarque das forças aliadas na Normandia, ocorrido em 6 de junho de 1944.


Esse ato de violência, estranho, sinaliza muitas coisas.


Temos que lembrar, inicialmente, que em 6 de junho, em 1944, cerca de 300.000 militares se deslocaram por um canal da mancha tempestuoso para ajudar a por um fim ao nazi-fascismo na Europa.


O chamado “Dia-D” foi extremamente violento, tendo em vista a defesa instalada nas praias francesas pelos alemães. 4.414 soldados aliados morreram. Apenas naquelas 24 horas.


Foi o início da vitória definitiva dos aliados.


A liderança de Churchill, entre os britânicos, foi fundamental para que o nazismo pudesse ser derrotado. E, portanto, para que fosse sepultada, pelo menos naquele momento, qualquer possibilidade de construção de uma sociedade que desconsiderasse o caráter plural da condição humana. Que reduzisse o humano a algo que ele não é nem pode ser: um ser unidimensional.

Os valores que hoje fundamentam o mundo emergiram da natureza ideológica daquele conflito. E foi essa natureza que forneceu os pilares para um longo período de estabilidade global.


Atacar Churchill, escrevemos, é sinal de muitas particularidades do momento em que vivemos.


Primeiro, atesta o esquecimento do significado e grandeza daquela guerra, e do terrível custo que os britânicos pagaram para vence-la, e na qual a liderança de Churchill foi essencial.


Esse esquecimento é, em grande parte, absoluta ignorância, que reflete a crise do ensino de História. Que hoje trabalha com conceitos do ativismo político contemporâneo e não mais com os fatos históricos.


Tal esquecimento configura uma ruptura com o passado. Os milhares de mortos britânicos naquele conflito pouco dizem a alguns de seus descendentes, hoje. E mais: não há qualquer relação de gratidão pelo custo pago por aqueles já mortos na construção da sociedade que hoje lhes permite, paradoxalmente, negar a própria memória.


Segundo, tal vandalização demonstra um profundo desconhecimento sobre o que é o fascismo, enquanto fenômeno histórico e enquanto prática.


Muitos podem ser acusados de relação com o fascismo, naquela época. Mas Churchill, certamente, jamais o poderia ser. Desde o princípio se posicionou contra o nazismo e muito antes de outros políticos de seu tempo, entendeu a necessidade crucial de combater Hitler e Mussolini.


Adolfo Hitler teria ficado muito feliz se, em sua época, uma coisa como essa tivesse ocorrido.


Terceiro, esse ato insensato expressa o triunfo, em determinados meios, de uma visão “falsa” da história (utilizando uma expressão de Jacques Maritain).


Isto é, de uma História que acredita que os seres humanos devem ser explicados, apenas, pela sua origem social. E eventualmente condenados ou absolvidos por te-la tal ou qual.


Uma história que sustenta que os homens do passado devem ser avaliados por critérios e valores do presente, que eles não tinham nem conheciam.


E é claro, trata-se de uma história que evoca um maniqueísmo sempre presente: a crença de que os seres humanos ou são bons ou são maus. Simplesmente.


Negam, portanto, a universal convicção, que advém da vida vivida, que todos nós temos, em nossa consciência, separado por uma linha tênue, o bem e o mal. E que é função de nossas consciências tomar decisões que possam transcender nossas origens, nossas ilusões, nosso tempo - e, principalmente, o mal.


Nessa História que legitima essa vandalização, há, sem dúvida, um total desprezo pela personalidade humana, pela sua intimidade e pelas suas particularidades, que orientam as decisões. Tudo é simples, quando, na verdade, nada é mais complexo que a condição humana.


Acontecimento estranho, sem dúvida, mas perfeitamente compreensível.


Num dos textos bíblicos mais interessantes, Juízes (um tratado sobre o esquecimento, basicamente), se fala exatamente como gerações futuras esquecem, com facilidade, a obra de seus ancestrais.


A sua abundância e tranquilidade materiais as tornam arrogantes. O fato de nada terem feito para obter o que têm as tornam hostis e ingratas aos que construíram o mundo em que vivem.


Se esquecem do esforço dos que vieram antes. De sua pobreza. De suas agruras e sofrimentos para permanecerem vivos. E, portanto, de sua luta em momentos em que era necessário lembrar aquilo que faz dos homens, homens: o compromisso com a sensatez, o correto discernimento e a boa ação. O envolvimento com algo maior que a tristeza do mundo. A esperança no triunfo do bem.


Esse esquecimento é sempre trágico para os homens. Porque destrói os elos entre eles, ao se desprezar a sabedoria da experiência e a tradição, e os precipita na insensatez e no desespero.


Mas, ao mesmo tempo, o livro dos Juízes mostra que, nesse mesmo esquecimento, emerge a necessidade de lembrar. E de resgatar aqueles valores que permitiram, aos nossos ancestrais, atravessar o deserto do Sinai da existência.


Assim, no meio do esquecimento destruidor. Sempre há aqueles que lembram. E, nessa lembrança, podemos resgatar tudo que torna a história fonte de inspiração e verdade.


Por exemplo, Churchill erguendo os dedos em V, em 1941, no pior momento da guerra. Quando os nazistas pareciam invencíveis. A que vitória ele se referia? A do bem, que sempre é alcançada.

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Devemos nos lembrar das atitudes que conduzem os homens na direção do bem. É dessa lembrança que nos devemos alimentar num mundo de ingratidão, desespero e esquecimento.

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