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As desgraças infinitas da vaidade


Edgard Leite Ferreira Neto


Vivemos em um mundo absurdo no qual a vaidade é entendida, por alguns, como virtude. É certo que a vaidade é uma deformação da consciência humana, sempre presente. Mas não é em todo momento da história que ela é entendida como boa e certa. Nestes nossos tempos, quanto mais vaidosa uma pessoa, mais admirada ela se torna. Mesmo que essa admiração seja efêmera. Porque nada, aqui neste mundo, sobrevive ao tempo e à sucessão dos momentos.


O Espírito Santo nos advertiu, pela escrita do Rei Salomão, sobre o assunto: hābel hăbālîm,’āmar qōhelet hābel hăbālîm hakkōl hābel. São Jerônimo traduziu essa passagem memorável como vanitas vanitatum, dixit Ecclesiastes, vanitas vanitatum et omnia vanitas, e Almeida Ferreira como Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade (Ec 1:1). Ambas traduções estão corretas: hābel significa, na sua raiz, vapor, mas, normalmente, é usado no hebraico bíblico para designar o ídolo, a ilusão, o vazio, e, principalmente, a futilidade e a vaidade.


O desastre da vaidade nos frequenta de maneira corrente e insistente, mesmo causando inumeráveis desgraças. Impede o ser de visualizar sua própria realidade imperfeita. Assim, por ela não se consegue entender o que somos. Bloqueia o reconhecimento do brilho alheio, e portanto, inviabiliza a ternura e a compaixão. Isola o ser dentro de seu vazio, entendido, pelo vaidoso, como um vasto universo de prepotências, o que lhe consome todas as energias. Turva a visão do mistério do mundo, o que torna a vida uma fonte de contínua tristeza e frustração. Afasta o ser de Deus, pois ao propor realizar a dominação do cosmo, instala a fantasia de tornar-se igual a Ele, o que é desastroso para a consciência, pois jamais o será.


Muita dor surge da vaidade. Podemos, sim, dizer que uma sociedade que a ergue como virtude é, claramente, insana. Pois repousa na impossibilidade do amor, do diálogo, da compaixão, da ternura e da percepção da realidade. É um mundo que inviabiliza a contemplação do universo, ele próprio a negação da vaidade, e imerge todos que o acompanham em fúteis e ridículas ilusões de domínio e superioridade.


Para essa dor (ou esse inferno), nos adverte a tradição bíblica, a única solução é a humildade. A absoluta humildade. A humildade nos aproxima do que realmente somos. Da fragilidade essencial da nossa existência. Disse bem São Josemaria Escrivá: "não valemos nada, não somos nada, não podemos nada, não temos nada” (Sulco, 3:66). Porque de fato é assim. Escreveu o Apóstolo Paulo: "Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele” (1Tm 6:7). Tudo que podemos ter, aqui, qualquer coisa que podemos pensar que somos, aqui, não tem, na verdade, qualquer valor, diante daquilo que realmente somos, que vem de antes do mundo e segue para fora deste.


Por isso Abraão reflete, surpreso: "eis que agora me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza” (Gn 18:27). Precisamente por reconhecer que era pó e cinza é que Abraão podia se dirigir à eternidade. No reconhecimento de nosso nada alcançou aquilo que o vaidoso nunca poderia ter: a serenidade que advém da aceitação da realidade do mundo. Ou, como escreveu São Josemaria: "ao compreender que não valemos quase nada abrimo-nos à grandeza de Deus: esta é a nossa grandeza".


Quanto maior o império da arrogância, maior deve ser a busca da absoluta humildade. Pois só esta pode nos salvar das desgraças infinitas da vaidade.

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