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A recusa da política do eterno retorno

Atualizado: 28 de abr.



A política do mundo contemporâneo, marcada pelos pressupostos de entendimento da sociedade e da natureza postulados pelo pensamento iluminista, gravita em torno de duas grandes ilusões.


Primeira, a de que é possível encontrar soluções definitivas para os problemas da vida a partir deste mundo. Segunda, a de que existe a possibilidade de atender aos anseios da vontade geral.


No primeiro caso, sustentaram gerações de políticos que os desafios vividos em sociedade, ou seja: a distância entre o desejo e a realidade, entre a pobreza e a riqueza (tanto a material quanto a espiritual), entre querer amar e ser amado, entre o estar bem consigo mesmo e o não conseguir estar, entre outros horizontes existenciais, podiam ser resolvidos por ações exclusivas de natureza política temporal. Isto é, que esses dilemas seriam solucionados pelas ações do Estado, politicamente direcionado nesta ou naquela direções, por exemplo, através de leis diversas ou políticas públicas específicas.


A partir da Revolução Francesa a ideia de que uma vida ideal poderia ser alcançada neste mundo virou certeza na consciência de muitos. Os modelos políticos passaram a gravitar em torno de projetos nessa direção, reproduzindo, na esfera pública, ilusões maiores próprias da ciência contemporânea, aquelas que supunham a possibilidade de transformar o Homem em algo diferente daquilo que ele é.


Eleições inumeráveis foram vencidas e revolucões foram triunfantes a partir de plataformas transformadoras que sinalizavam a próxima realização disso e daquilo. Isso foi feito, evidentemente, desconsiderando-se o fato de nada no mundo ser permanente e que tudo, ao contrário, é absolutamente transitório. Aquilo que no mundo se mede é sempre relativo a outra coisa que nele mesmo está e tais grandezas se destroem e se reestruturam permanentemente. Não há portanto, soluções políticas perenes para esses problemas, porque eles emergem e se transformam continuamente e o que se soluciona aqui, neste momento, já é outra questão ali adiante- além do fato disso tudo se processar em infinitas particularidades e dinâmicas espaciais e temporais. Há aqui a pura ilusão de que se pode resolver tal realidade. E muitas mentiras e demagogias foram usadas na manipulação dessas ilusões.


O segundo caso é igualmente ilusório. Pela mesma razão acima exposta, não existe algo que possamos chamar de uma vontade geral estável a ser seguida. Primeiro, porque a busca do bem comum nem sempre coincide com a vontade geral, que pode ser, eventualmente, suicida. E, segundo, mesmo que tal vontade geral realmente exista, (pois quem pode garantir que não seja apenas a vontade de uns poucos diante do silenciamento de muitos?), ela dificilmente pode garantir um ponto de estabilidade para a ação política, pela sua própria e contínua mobilidade e mutação diante das transformações da realidade.


Essas ilusões, portanto, configuram um quadro contínuo de instabilidade e frustração. Voltada para o mundo, a política contemporânea só pode expressar as realidades da matéria: sua contínua desagregação e a angústia que isso gera no Homem. Traduz a realidade de uma concepção de tempo que mede, acima de tudo, o eterno retorno das mesmas questões e de análogas respostas. O tempo dessa política é o da medição da mudança: é brutalmente curto. A cada recomeço as coisas parecem já antigas. O novo se impõe no momento, mas este precisa de soluções que reflitam a dinâmica incessante de mudança das coisas. Isso deve ser sempre mascarado, aliás. Porque há ainda uma outra ilusão oculta nessa política: a de que podem haver coisas eternas no mundo de transitoriedades. Neste, nenhuma política, fundada nele, pode, na verdade, ser perene.


Mas pode existir uma política de fundamentação perene? Parece claro que só pode ser assim se a mesma for capaz de recusar o eterno retorno, se for uma política que lide com valores eternos, que proponha a transcendência da morte, e ofereça à pessoa não a vivência do mutável, mas do imortal. É aquela política que não está em guerra com os paradoxos do mundo material, mas que sustenta o predomínio da imaterialidade e a relatividade dos dilemas humanos - diante do infinito. Acima de tudo é uma política individual, íntima, mas que pode, na sua verdade, contribuir para ordenar, moral e politicamente, o mundo no qual a pessoa, que a exerce, atua. Nela não há morte, nem ilusão com as coisas materiais, mas apenas a esperança da redenção diante da tragédia das metamorfoses cotidianas. A sua temporalidade não é curta mas sim inclui a negação do tempo. Por isso vive, santificada, Santa Joana D'Arc, que, agindo no mundo, tinha, no entanto, os olhos na eternidade, e na sua redenção deste universo material redimiu uma sociedade.


E, por outro lado, pela sua insistência no eterno retorno, foi dilacerada Eva (Evita) Perón, cujo missão era difundir todas as ilusões possíveis quanto à capacidade da mão humana. No seu esfacelamento, Evita esmagou a consciência de multidões que nisso tudo acreditaram. Retornando alguns anos depois, na forma de (Isabelita) Martinez Perón, o mesmo movimento causou novamente carnificina e se esgotou como se esgotam as coisas neste mundo. A política do eterno retorno termina sempre na destruição e na desesperança. Pois são essas os seus autênticos fundamentos.



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  • Edgard Leite 2015-8-21-7_10_11_edited_edited_edited_edited_edited_edited
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