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Fílon de Alexandria (parte 1)



por Edgard Leite


Vida de Fílon.


Fílon pertencia a uma eminente família da comunidade judaica de Alexandria, no Egito. Nasceu em torno de 25 a.C e sua morte não deve ter sido posterior ao ano 50 d.C. Viveu nos anos tumultuados que antecederam à destruição do Templo de Jerusalém, em 70. Foi, portanto, contemporâneo dos eventos narrados no Novo Testamento.

Sua família era próspera, ligada ao setor de importação e exportação. A cidade de Alexandria foi fundada por Alexandre, o Grande, por volta de 331 a.C. e tornou-se núcleo comercial e cultural muito importante no mediterrâneo oriental.

Fílon, acreditava que os judeus possuíam uma das mais numerosas populações da terra (Virt. 64). Ele dizia que, em sua época, havia “não menos de um milhão de judeus, residentes em Alexandria e no país, desde os lados da Líbia às fronteiras da Etiópia” (Flacc. 43)

Desde a época do faraó Ptolomeu II (309 a.C.-246 a.C.), pelo menos, os judeus eram reconhecidos como uma comunidade independente, uma politeuma. Eram helenizados e os textos bíblicos que utilizavam para leitura e serviços religiosos estavam em grego. Seus vínculos com a Judéia, no entanto, eram intensos.

O irmão de Fílon, Alexandre, foi coletor de impostos na Judéia e sua família teve relações com a família do rei Herodes (c. 73 a.C.-4 a.C.). Foi um mantenedor importante do Templo de Jerusalém, tendo doado placas de ouro e prata para os seus portões. Foi também gestor dos bens, no Egito, de Antonia Minor (36 a.C.-37 d.C.), filha de Marco Antonio (83 a.C.-30 a.C.) e mãe do Imperador romano Cláudio (10 a.C.-54 d.C.).

Um dos filhos de Alexandre, Marcus, casou-se com a filha do neto do rei Herodes, Agripa I (11 a.C.-44 d.C.). Outro filho, Tiberio Julius Alexandre, serviu no governo do Egito, sob o Imperador Nero (37 d.C.-68 d.C.), e atuou junto a Tito (39 a.C.-81 d.C.) na guerra contra os judeus, mesmo sendo um deles. Terminou a vida como prefeito pretoriano, em Roma.

Com este sobrinho, Tiberio, Fílon teria duas discordâncias, registradas, respectivamente nos seus textos De animalibus e De providentia. No primeiro, discordam sobre se os animais tem almas, como os humanos, Tiberio dizendo que sim. No segundo, seu sobrinho duvida da existência de uma Divina Providência.

Fílon exerceu alguma liderança em sua comunidade. Esteve na delegação que foi ao Imperador Gaius Calígula (12 d.C- 41 d.C.) tentar representar os interesses judaicos, quando, entre outras questões envolvendo gregos e judeus, o Imperador tomou a temerosa decisão de instalar uma estátua sua, colossal, no Templo de Jerusalém.

Em que pese isso, no entanto, Fílon dedicou-se principalmente ao pensamento, produzindo uma extensa e importante obra filosófica, pelo qual tornou-se respeitado e conhecido.


Judeus e Gregos.

Fílon fazia parte de uma tradição intelectual judaica de fala grega desenvolvida no Egito. Nesta, elementos da filosofia grega foram utilizados na reflexão teológica ou na exegese bíblica.

Alguns, como David Winston, sustentaram que semelhantes aproximações entre os pensamentos judaico e grego já eram existentes nas etapas finais de formação da Bíblia hebraica. E consideram a existência de uma provável influência grega sobre os textos bíblicos.

Segundo Winston, o Eclesiastes, o Kohelet, por exemplo, parece possuir traços do diálogo socrático. E nele há coincidência de perspectiva com antigos diálogos platônicos, como a convicção de que a razão da condição humana, ou do plano de Deus para a humanidade, repousa em profundo mistério.

Winston argumentou que já no Eclesiástico, o Sirácida, texto sapiencial escrito na Judéia (c. 180 a.C.), existiriam elementos identificáveis de filosofia grega, no caso, do estoicismo.

Mas no texto deuterocanônico conhecido o Livro da Sabedoria de Salomão, escrito originalmente em grego no século I a.C., no Egito, parece ficar claro que elementos conceituais helênicos eram conhecidos e utilizados por pensadores religiosos judeus da diáspora. Nele, é evidente a utilização de uma terminologia dita médio platônica.

A ação helenizadora que se seguiu à expansão de Alexandre, o Grande, parece assim ter tido uma influência no pensamento judaico da época do Segundo Templo.

Por outro lado, há que se registrar que os antigos gregos, ao longo de seus contatos com os judeus, acreditaram que estes eram um povo de filósofos, como supôs Theophrastus. E chegaram a supor que eram os judeus os principais filósofos do mundo antigo, ao lado dos brâmanes da Índia, como sugeriu Megástenes.

Não se pode negar, por exemplo, que o Livro de Jó, expressão de uma antiga tradição literária semítica de cunho proto filosófico, continha já perspectivas e problemas relativos à natureza humana que se aproximavam de análogas, e posteriores, preocupações gregas.

Fílon, em diversas oportunidades, apoiou tal perspectiva, por exemplo quando defendeu que Zenão (c. 490-c. 430 a.C.) tomou emprestada a história de Esaú e Jacó para construir uma de suas argumentações (Prob. 57), que Heráclito seguiu Moisés em uma de suas sentenças (Leg. I 108), ou que o mesmo Heráclito escreveu “livros sobre a Natureza tomando suas opiniões de nosso teólogo (Moisés)” (QG 3: 5 / 4: 152), ou que alguns legisladores gregos “fizeram bem quando copiaram das mais sagradas tábuas de Moises, o princípio de que ouvir não deve ser aceito como prova” (Spec IV: 61).

É certo que ponderou que algumas coisas poderiam ter sido apreendidas por si mesmas, quando sustentou que Sócrates defendeu algo “ensinado por Moisés ou movido pelas coisas mesmas” (QG 2:6), mas não deixava de estabelecer a realidade dessa preponderância judaica sobre os gregos.

Fílon, como outros pensadores judeus gregos, sustentava, portanto, a crença na antiguidade da tradição judaica diante da filosofia helênica. Ou, pelo menos, defendia a existência de um aprendizado antigo dos gregos com os judeus.

Filon é, assim, culminância de muitas reflexões intelectuais judaicas, que entendiam a filosofia grega não como oposta ao pensamento judaico, ou dele diferente, mas, sim, dele de alguma forma derivada, seja histórica ou epistemologicamente.

Naquela época, e isso continuará ao longo do tempo, tanto no mundo cristão quanto no mundo rabínico, entendia-se, portanto, que a Bíblia fornecia material essencial para o entendimento do mundo, ainda que esse entendimento pudesse ser feito sob bases filosóficas.

É verdade que nos textos bíblicos havia pouco material que emergisse de argumentações racionais, dedutivas ou indutivas, ou que as abordagens conceituais ali presentes fossem tão particulares ou complexas que pareciam, eventualmente, contraditórias.

Mas entendiam esses pensadores judeus helenizados que a Bíblia tratava, através de sua linguagem própria, a linguagem bíblica, de verdades maiores e eternas, que podiam ser entendidas de tantas maneiras quanto fossem os olhares humanos sobre a vida.

Um desses olhares, o de matriz grega, era capaz de encontrar na mensagem bíblica um sentido, traduzível em discurso filosófico. Entendendo que os gregos tinham introduzido uma nova forma de compreender o mundo, mundo do qual a Bíblia expressava os maiores mistérios e intimidades, não era hostil considerar os seus procedimentos.


(Continua)



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