Hans Meyer, ou o poder das questões eternas
- Edgard Leite Ferreira Neto
- há 1 dia
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Em 1938, Hans Meyer (1884-1966) publicou seu seminal estudo sobre São Tomás de Aquino: Thomas von Aquin, sein system und seine geistesgeschichtliche stellung. O texto mereceu uma tradução em inglês, em 1944, com o título The Philosophy of St. Thomas Aquinas, ou A Filosofia de São Tomás de Aquino. A percepção da importância desse livro notável não escapou a Philoteus Boehmer, que escreveu sobre ele uma penetrante resenha na Franciscan Studies, em 1945:
"A abordagem original do sistema de S. Tomás levou [Meyer] a não tratar o pensamento filosófico de Aquino à maneira de um manual neoescolástico. Apresenta-o mais como um pensamento vivo e como o fruto de uma solução pessoal do problema da Fé e da Razão sobre a base de um aristotelismo parcialmente transformado. Colocou assim em relevo a virtude intelectual central de S. Tomás: a sua reverência pelos fatos e, consequentemente, pela verdade, independentemente de qualquer autoridade humana".
Ulrich Lehner, mais recentemente (2016), reafirmou a importância da obra de Meyer, oitenta anos após sua publicação: "o objetivo do pensamento de Meyer era a elaboração de uma história das ideias que pudesse avaliar cada época sob o ponto de vista das contribuições positivas e negativas [postas pelo pensamento humano] para [o entendimento] das questões eternas". Um dos principais resultados desse objetivo teórico foi "a monografia sobre a obra de São Tomás de Aquino, publicado em 1938, a mais completa já escrita em alemão até um passado recente".
Nesse livro está presente a tese de Meyer de que "as condições históricas do momento" devem ser separadas daquela dimensão que é "eternamente válida, a fim de tornar a complexa interpretação do mundo de Aquino importante para o presente. Se o tomismo for entendido como um sistema fechado, ele se tornará incapaz de se adaptar e contribuir para o progresso do conhecimento".
Como o próprio Meyer defende, no encerramento de seu livro, "de acordo com a visão tomista, a verdadeira liberdade do espírito consiste no abandono daquilo que se tornou insustentável e na aceitação do que parece ser um conhecimento estabelecido. Tal é a sublime missão da filosofia perene [e aqui Meyer cita Leão XIII]: vetera novis augere et perficere" (aumentar e enriquecer o que é antigo com o que é novo). Tal processo desenvolve a filosofia, ao longo do tempo, iluminando o crescente conhecimento do mundo com a verdade eterna.
Hans Meyer era oriundo da Universidade de Freiburg e doutorou-se em 1906 com uma tese sobre o físico, químico e alquimista anglo-irlandês Robert Boyle (1627-1691). Em 1919, publicou dois influentes estudos sobre Aristoteles e Platão. Neste mesmo ano, tomou parte ativa no enfrentamento à efêmera e caótica República Soviética da Baviera. Em 1922, foi, finalmente, numa Alemanha convulsionada, nomeado professor na Faculdade de Filosofia de Würzburg.
A ascensão do nacional-socialismo, no entanto, colocou inumeráveis entraves à sua carreira. Associado a forças políticas de centro e católico, Meyer viu-se deslocado na nova ordem que se impôs à Alemanha a partir de 1933. Segundo Christian Tilitzki, Meyer lutou toda sua vida "contra as ideologias 'naturalistas' da modernidade, o 'democratismo, o liberalismo e o marxismo social-ético' e o 'sadismo racial' niilista dos nacional-socialistas". E, como anotou Lehner, Meyer via as catástrofes do século XX decorrentes "do declínio da racionalidade e do consequente fracasso da moralidade". Ele não conseguiu, portanto, adaptar-se às circunstâncias que se formaram na Alemanha sob o regime nazista.
Sua ascensão ao cargo de catedrático foi indeferida em 1935, como anotou Chlaudia Schorcht. O parecer, que lhe negou a progressão, o acusava de "estar ancorado no passado político" e de representar interesses católicos "de uma forma extremamente hábil e discreta, silenciosa e eficaz".
A sua resistência ao nacional-socialismo foi intensa e dolorosa, pois (mais grave que o bloqueio de sua carreira) perdeu todos seus filhos na guerra. Dia após dia, ano após ano, se encontrava com seus alunos em aulas, e fora delas, e tratava de temas adequados ao estudo da eternidade, que pudessem fortalece-los, em fé e razão, naqueles anos escuros. Durante a guerra, que eliminou a sua família, imerso em dores e temores sem fim, redigiu notas para muitos livros, cuja publicação só foi possível após 1945. Depois do conflito, portanto, vieram à luz os complexos e profundos Die Weltanschauung der Gegenwart, A cosmovisão contemporânea (1947-1950), e Systematische Philosophie, Filosofia Sistemática (1955).
Meyer afirmou, na sua Filosofia Sistemática (citado por Lehner): "não há conhecimento sem pesquisa básica, sem a realização da certeza teórica, sem elevação das ideias. Os que se dedicam ao alto escolasticismo estão imbuídos da alegria do conhecimento e inspirados por um eros que está disposto a levar a cognição aos limites do possível, utilizando todos os meios de conhecimento. A sua crença no poder da verdade é inabalável e, depois de um eclipse temporário, irrompe de novo e de novo".
Do que tratava Meyer com seus alunos em Würzburg? Entre outros assuntos, certamente, das lições de São Tomás de Aquino sobre a realidade da vida.
Entre essas, por exemplo, a tese de que "o Homem não pode ser bom se ele não está em relação adequada com a comunidade e outros membros da comunidade". No entanto, anotou Meyer, "do ponto de vista metafísico, o Homem é independente da comunidade no que diz respeito à sua origem", "as pessoas são os pilares nos quais a sociedade repousa". "O Homem, afirmou São Tomás, não é inteiramente subordinado à comunidade política". "Os direitos da comunidade sobre o indivíduo não são ilimitados e absolutos, as leis divinas e naturais estabeleceram barreiras em defesa do individual", e portanto a "pessoa possui direitos que não podem nunca ser tocadas pela comunidade".
Isto é, de São Tomás vinha uma crítica eterna e libertadora, que, subjacente a todas as circunstâncias do mundo, podia dar certeza a Meyer e a seus alunos que, apesar das mentiras e ilusões humanas, e toda a carnificina, a verdade e a vida sempre prevaleceriam. "De novo e de novo". Não porque retornavam, mas sim porque eram eternas e irrompiam, de forma permanente, no mundo inconstante da matéria.
Referências
BOEHNER, Philotheus Boehner OFM: Book review: "The Philosophy of St. Thomas. By Hans Meyer". Franciscan Studies, New Series, Vol. 5, No. 1 (March 1945), pp. 81-83
LEHNER, Ulrich L. "Philosophia Perennis im Umfeld kritischer Neuscholastik: Zum 50. Todestag des Philosophen Hans Meyer" in Theologie und Glaube, Vol. 106, No. 4 (2016) p. 336- 343
MEYER, Hans: The Philosophy of St. Thomas Aquinas. St. Louis, B. Herder Book, 1946 (third impression) p.447 e p.548
SCHORCHT, Chlaudia: Philosophie an den Bayerischen Universitäten 1933-1945 in Philosophie und nationalsozialismus. Mitteilungen des instituts für wissenschaf tund kunst 47. JG. 1992. p.12
TILITZKI, Christian: Die deutsche Universitätsphilosophie in der Weimarer Republik und im Dritten Reich. Akademie Verlag GmbH, Berlin 2002. p. 144
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