Edgard Leite Ferreira Neto
Fílon de Alexandria (25 a.C. - 50 d.C.), foi o mais eminente dos pensadores judeus do período helenístico. Ele defendeu que a Filosofia grega continha diversos elementos do pensamento bíblico, fruto, em grande parte, de diálogos antigos e não registrados. Citava, por exemplo, Heráclito (c. 500 a.C. - 450 a.C.), que teria tomado para si sentenças de Moisés (Legum allegoriae I, 108 e Quaestiones et Soluciones in Genesin 3:5 / 4:152).
Semelhantes afirmações normalmente são colocadas em dúvida por todos que estudam a história da Filosofia. É curioso que tenda-se a afirmar geralmente uma outra coisa: o pensamento grego é original e este é que influenciou alguns dos livros da tradição bíblica. O que também não pode ser verificado documentalmente. Mas nunca se aceita a possibilidade de um diálogo antigo entre os dois pensamentos..
Ora, é certo que a Bíblia vê uma parte de si mesma (o Livro da Lei de Moisés) sendo encontrada pelo rei Josias nas obras do Templo de Jerusalém em torno de 610 a.C. (2Rs 22:8). O que coloca a origem da experiência literária judaica, cronologicamente, em período anterior ao desenvolvimento do pensamento pré-socrático.
Os próprios gregos, de fato, tenderem, eventualmente (não era uma norma), a reconhecer a importância de pensamentos de povos mais antigos. Teofrasto (372-287 a.C), sucessor de Aristoteles na Academia Peripatética, foi o primeiro a escrever algo, por exemplo, sobre os hebreus, embora de forma confusa. Teve, dos judeus, informações de segunda mão e avaliou os seus rituais sacrificiais como singulares. Entendeu que não tinham a mesma natureza que os sacrifícios entre os gregos, possuindo conteúdos abstratos elevados.
Por isso, Teofrasto sustentou que os judeus eram um povo de filósofos-sacerdotes. Tal denominação será repetida por Clearco de Soles (século IV a.C.) e, principalmente, por Megástenes (c 350- c 290 a.C.). Aparentemente, o que percebiam era a natureza superior da religião de Israel, que não era centrada no mundo, mas que buscava retribuições de natureza espiritual. Tanto Clearco quanto Megástenes, por isso, entenderam os hebreus em sintonia com os indianos, como povos dotados de filosofia. Ou, segundo Megástenes:
"No entanto todos os [pontos de vista] que foram expressos sobre a natureza entre os antigos (archaioi) (ou seja, aqueles que chamamos hoje pré-socráticos) também são expressos entre aqueles que filosofam fora da Grécia, entre os indianos pelos brâmanes, e, na Síria, pelos chamados judeus”, (cit. Clemente de Alexandria: Stromateis 1.72.4)
Assim, podemos dizer que as proposições intelectuais daqueles que viviam, como diz Megasténes, “na Síria” (bem como na Índia), eram consistentes e deviam ser levadas, de alguma forma, em consideração. E, ainda mais, pareciam coincidir com os fundamentos do pensamento grego.
Há duas formas de entender o assunto. Primeiro, a possibilidade de existência de diálogos antigos entre gregos, hebreus e hindus não deve ser desconsiderada. O reconhecimento dessas trocas, em épocas anteriores ao amadurecimento de tradições literárias escritas, pode ser depreendido não apenas por essas memórias fragmentárias, mas também pela convergência de pensamentos.
Assim, por exemplo, lemos na Chāndogyopanishad, clássico da espiritualidade hindu (c. século VIII a.C.) uma defesa da presença universal em tudo e em todos de uma essência divina:
"Aquele que é o único criador, cujos desejos são os desejos de todos, cujos odores são os odores de todos, cujos gostos são os gostos de todos, que está em toda parte, que não tem órgãos dos sentidos e que está livre de desejos - ele é meu ātman (alma) e está em meu coração"(Chāndogyopanishad 3,14,14).
"Portanto, que cada alma considere primeiro que a própria alma fez todos os seres vivos, dando-lhes vida, aqueles que são nutridos pela terra e o mar, aqueles que estão no ar e as estrelas divinas no céu"( Enneades. V. 1-9)
Percebemos que a análoga ideia sobre a universalidade da presença divina como essência no mundo e dentro do ser vivente pode ser encontrada em textos oriundos de culturas muito distintas e separadas no espaço. A existência de contatos entre Índia e Grécia, por exemplo, ou entre gregos e judeus, passaram a ser documentadas, de uma forma geral, desde a expansão macedônica, em torno de 300 a.C. Mas não quer dizer que não existissem antes.
Mas há uma segunda forma de entender o assunto, que é aquela sugerida pelo próprio Fílon, quando defendeu que Sócrates teve influência do pensamento bíblico, e, mais precisamente, que seu pensamento "foi ensinado por Moisés". E, de fato, é em Moisés que encontramos uma série de elementos da capital importância para o entendimento da relação entre o Homem e as realidades visíveis e invisíveis. Mas Fílon vai adiante, circunspecto, e se questiona se Sócrates "foi ensinado por Moisés, ou movido pelas coisas mesmas" (Quaestiones et Soluciones in Genesin 2:6).
"As coisas mesmas", isto é, a realidade do mundo, colocam a diferentes pessoas os mesmos problemas. E as respostas que emergem, considerando que há, no Homem, uma perspectiva análoga no entendimento do mundo, têm tudo para serem análogas e comuns. Tanto na realidade quanto na fantasia. E por isso todos podem alcançar a mesma verdade, quanto esta lhes é proposta, como revelação. Como acontece a todos os povos, quando a recebem..
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