Edgard Leite Ferreira Neto
O pensamento utópico contemporâneo trabalha com a proposta de uma paz perpétua entre as nações e as pessoas. E o texto de Immanuel Kant (1724-1804), com o mesmo título, sobre as guerras, desenvolve a argumentação de que a razão deve triunfar sobre o poder dos desejos.
A defesa de um estado de paz social, no qual não haverá guerra e nem conflitos pela existência, é um sonho antigo, mas que, no pensamento contemporâneo, tornou-se obsessão. Principalmente porque com os ganhos da ciência, torna-se difícil, para muitos, aceitar que possamos tratar inumeráveis doenças, ou ir à Marte, mas não impedir que os seres humanos se matem uns aos outros.
As fantasias sobre o assunto abdicam da consideração das particularidades individuais humanas, e do caráter incontrolável das decisões de cada um. Renunciam ao reconhecimento do próximo como algo maior do que eu, em sua particularidade única. Negam a visão do outro enquanto pessoa, aceitando a ideia de que ele deve ser a cópia encarnada de um projeto qualquer coletivo. E, principalmente, desconsideram o papel do extraordinário na vida.
No entanto, o outro é sempre surpreendente. As leis e a moral podem estabelecer limites, mas mesmo assim não nos impedem de agir, para o bem ou para o mal. A vida é uma aventura ética e moral nem sempre agradável. Isso porque a realidade, assim explicou Fernando Pessoa, "é sempre mais ou menos do que nós queremos". É uma sucessão de surpresas e experiências desafiadoras, com relação ao que pretendemos, às reações dos outros e ao extraordinário.
A jornada na existência, esse caminho pelo espanto, acima de tudo nos ensina a necessidade das virtudes: a prudência, por exemplo. E nos mostra como é importante ter esperança, compaixão e Fé. Pois nessas dimensões descansamos desse cenário de desencanto imenso que é a existência crua, e alcançamos a essência viva da realidade última. E essa á uma razão natural.
A solução não está no mundo, pois este está sempre em mudança e os homens estão sempre à beira da loucura, mas na vida interior, na força e na paz que conseguimos encontrar através dos elementos mais profundos de nossa alma, que nos iluminam os olhos na escuridão da existência, por nos conectarem com algo maior.
Por isso fazem sentido os versos intensos de Gonçalves Dias (1823-1864), no seu poema “Canção de Tamoio”:
"Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.”
Nenhum projeto utópico pode ocultar a realidade desse mundo transitório e extraordinário e a imprecisão da consciência humana e seus delírios. A jornada da vida precisa de propósitos e esses propósitos não podem estar direcionados apenas para o mundo, onde tudo termina. Além do mais a limitação do Homem não raramente faz com que este seja inimigo e lobo de outro Homem.
Não é a razão humana, unicamente, que pode permitir controlar os desejos, principalmente porque a razão, muitas vezes, também é objeto de desejo. E não é o ser humano que pode dar a paz aos homens, porque a consciência humana é tormenta em diversas circunstâncias. Apenas a eternidade pode nos fortalecer diante dos desejos, e inspirar nossas decisões, porque Deus é o senhor do tempo e da razão. E apenas do Espírito vem nossa real força, pois assim profetizou Joel: “diga o fraco: eu sou forte” (Jl 3:10).
E, como concordou, milênio depois, o Apóstolo Paulo: "por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou forte" (2 Cr: 12). Essa força interior diante da tormenta da vida não é perpetuidade, mas um suspiro do inifnito. No combate da vida, aqueles que caminham ao lado da eternidade são sempre fortes, mesmo sendo fracos.
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