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Longa é a vida


Edgard Leite Ferreira neto


Longa é a vida, quando a vivemos em comunhão com a eternidade que a sustenta. Naquilo que vemos nada se mantém, apenas se arruina, se decompõe, se transforma. Sobre essas coisas há apenas brevidades. E ela é curta, a vida, porque suas experiências sensíveis são imediatas, efêmeras. Quando não olhamos a eternidade, só a experiência da transitoriedade se mantém. “Nossa, já passou”. E é assim.


Mas quando Santa Teresa de Ávila escreveu que “longa é a vida”, não estava falando apenas de sua ansiedade de encontrar Deus face a face. Experiência que exigia o fim da existência material. E este fim lhe parecia demorar a vir, tal sua vontade. Mas também falava sobre o fato de que quando tomamos como parâmetro do ser a eternidade ou aquilo que aqui é eterno, tudo adquire um sentido temporal diferente.


Não é a transição que nos motiva, nem o caráter efêmero do mundo que nos movimenta, mas, sim, é a eternidade que absorve nosso sentido e percepção das coisas. Qualquer jornada de tantos anos parece assim, diante do infinito, o próprio infinito. Quando Buddha dizia que nada somos, senão espuma do Ganges, ou que nada de eterno havia, procurava tornar a transitoriedade do mundo a razão de ser das coisas. Para ele, duraríamos apenas um segundo.


É verdade, nenhuma vida é mais curta que a vida de Buddha. Modelo extremado do Homem contemporâneo. Nenhuma vida é mais breve que a vida daquele que se esforça para viver o efêmero. Que valoriza acima de tudo o prazer momentâneo, que não dá importância à profunda eternidade que existe, por exemplo, no amor.


Quando amamos alguém, não quando desejamos, apenas, mas amamos, tudo é contínuo. Não há mudança, na verdade. A transitoriedade é uma surpresa que se mantém, até a última das surpresas. Quando temos Fé e estamos nessa estranha sintonia com Aquele que não dorme e nem tem tempo, tudo, aqui, no visível, vai se sucedendo como algo surpreendente, que nos aponta o caráter sagrado de nossa jornada nesse vale de lágrimas.


Longa é a vida, porque em contato com a eternidade, aceitando-a, conversando com ela, descobrindo-a permanentemente, imergindo a alma na sua profundidade abissal, é o seu sentido que dá o da existência. Tudo termina, mas o sentido não. Tudo muda, mas o final das coisas acaba adquirindo uma dimensão incompreensível em sua grandeza.


A vivência da eternidade, daquilo do qual emerge o instante, torna o momento um acidente. Sabemos que é de sua natureza o desaparecimento da forma. E é na eternidade, percebemos, que nossa real identidade flui, imutável, deslizando pelos subterrâneos do tempo, sem tempo. Tornando a vida tão longa que esta se esvai para além de todas as circunstâncias. E não apenas é longa, mas eterna.


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