Edgard Leite Ferreira Neto
Neste mundo em que vivemos só vale, normalmente, a interpretação que corresponda à lógica objetiva dos números. Tudo que é sonho, imaginação ou fantasia não é aceito como fundamento, ou parte de fundamento, de qualquer narrativa eficiente. Ora, quando limitamos a descrição da realidade àquilo que pode ser observado e medido, é natural que muita coisa (que não possa ser vista e mensurada) fique de fora.
Existem alguns que atravessam tal limite lógico e negam a existência daquilo que não possa ser medido. A maior parte, provavelmente, apenas ignora, ou se limita, como Kant, a manifestar impotência ao tratar de qualquer acontecimento, principalmente quando isso transborda para o campo da Física ou Química e apresenta alguma impossibilidade de interpretação.
Mas sempre existiram aqueles que, a partir do século XVIII, principalmente, tentaram entender que narrativas desconectadas da ciência não deveriam ser negadas ou ignoradas. Mereciam uma explicação científica.
Há um autor particularmente bizarro nesse campo: Immanuel Velikovsy (1895-1979). Velikovsky escreveu o perturbador (ou enlouquecido, segundo muitos) Mundos em Colisão (MacMillan Books, 1950, e mais inumeráveis edições e traduções). O seu tema eram acontecimentos narrados na Bíblia. Muitos deles criticados ou desprezados mas ainda e sempre levados em consideração pelos crentes.
Mundos em Colisão não possuía qualquer consistência, à luz da ciência que é estudada nas salas de aula e nas universidades. Ao contrário. Para tornar possível sua argumentação foi necessário o desenvolvimento de uma mecânica celeste tão alucinante que é impossível do ponto de vista da Física. No entanto, havia em Velikovsky um delírio que causou espanto e tornou seu livro um bestseller.
A sua tese era a de que, em torno do século XV a.C., um cometa do tamanho de um planeta se desprendeu de Júpiter, se deslocou na direção da Terra, causando inumeráveis catástrofes por aqui. Em seu retorno, meio século depois, paralisou momentaneamente a rotação da terra e então continuou seu movimento na direção de uma orbita inferior, deslocando o planeta Marte, que ali se encontrava, e tornando-se o atual planeta Vênus. Isso explicaria certas alegadas anomalias físicas em Vênus, algumas particularidades de Júpiter e a natureza do planeta Terra.
Mas, mais do que isso, também permitiria compreender, segundo ele, diversos acontecimentos estranhos narrados na Bíblia. Principalmente, aqueles que envolveram Moisés e os hebreus: as pragas do Egito e o sol paralisado no céu, durante a conquista de Canaã por Josué.
Por que construiu toda essa argumentação? Parece-nos que Velikovsky tinha um objetivo básico: atacar o entendimento religioso, de forma mais resoluta do que a ciência corrente o fazia, isto é, pela simples negação ou pela espiral de silêncio. Nesse sentido, é evidente que Velikovsky fracassou totalmente. Utilizar leis físicas inexistentes decididamente não funciona para explicar acontecimentos que estão fora das leis existentes.
Com relação a isso, curiosamente, a própria Bíblia apontou o ponto de meditação central no acontecimento:
"Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor deu os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeom, e tu, lua, no vale de Ajalom. E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, porque o Senhor pelejava por Israel” (Js 10:12-14).
O texto bíblico reconhece a estranheza do evento e assinala sua absoluta singularidade: "e não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele”. Para todos aqueles que, no futuro, poderiam tentar naturalizar aquele fenômeno, e entende-lo por alguma lógica corriqueira, e assim explicá-lo sem Deus, ou para outros que negariam-no por ser impossível, o redator bíblico aponta seu caráter extraordinário, surpreendente. Ele não tem, absolutamente, qualquer explicação que esteja ao alcance do homem.
Por isso a cautela de uns evita considerá-lo e a impiedade de outros negá-lo. Mas explicá-lo pela objetividade humana só é possível através da subversão dessa mesma objetividade, pela loucura. Por isso torna Deus a sabedoria dos sábios, loucura. "Acaso não tornou Deus completamente insensata a sabedoria deste mundo?" (1Cr 1:20)
Essa simples afirmação bíblica: "não houve dia semelhante a este", dialoga com o Eclesiastes, quando este afirma o caráter repetitivo e conhecido das coisas do mundo, sem o estudo do qual não há, de fato, ciência: "o que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará" (Ec 1:9)
Para muitos, sempre foi claro, e ainda é, portanto, que o sol simplesmente parou sobre a terra de Israel e que Moisés atravessou um Mar Vermelho aberto, porque o extraordinário existe e é mesmo a essência das coisas. Apenas isso. O mundo de Deus é maior que o nosso, e embora este aqui se considere em igualdade, ou mesmo em superioridade, ao universo do espírito, o sentimento de que pode enfrentá-lo é profunda ilusão. Não há colisão entre estes dois mundos. O nosso já é colapsado diante do universo de Deus.
Diante dessa hierarquia de mundos, é tão surpreendente o movimento regrado dos planetas quanto o sol e a lua pararem sobre um vale.
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