Edgard Leite Ferreira Neto
Muitos pensadores tratam, no nosso tempo, desse tema um tanto bizarro, que Weber denominou de “desencantamento do mundo”. O que vem a ser isso? Trata-se de um suposto processo pelo qual a magia deixou de dominar as consciências, ou, ainda mais, um movimento pelo qual a metafísica teria sido afastada do comum entendimento das coisas corriqueiras. A realidade visível é que se tornou a fonte de todos os elementos capazes de explicar os acontecimentos, inclusive os espirituais.
Esse processo é real? Ou é mais uma ilusão iluminista? Bem, nunca, realmente, a magia desapareceu do cotidiano humano. E a desconfiança instalada na consciência, normalmente faz parte, de alguma forma, da vida de todo ser vivente. E por isso a Fé sempre foi muito importante, pois a dificuldade de atestar uma dimensão espiritual do mundo exige um salto da consciência na direção daquilo que ela nem sempre vê, mas pode perceber, em determinadas condições.
Por isso um dos momentos essenciais dos Evangelhos, nesse assunto, é quando Tomé se aproxima de Jesus e o toca. O momento, em si, é absolutamente místico. O problema é que Tomé não se dera conta disso: de que estava, na sua frente, Jesus ressuscitado. Ele não distinguiu o que estava vendo daquilo que via ao seu redor, no mundo. Apenas quando o tocou percebeu que existia algo de maravilhoso ali, ao qual não dera atenção. Displicente, como estava, diante da vida.
Descobrir que se pode, neste mundo, por graça de Deus, viver a realidade de um outro mundo, é experiência redentora. Mas ele precisou de provas, de que esse outro mundo existia. Nem todos precisam dessas provas. Basicamente porque não são desatentos, como Tomé. E, para muitos, nenhum prova será suficiente. É assim hoje, e era assim nos tempos de Jesus, mesmo no seu círculo mais íntimo.
As pessoas que vivem nesses dois mundos, que somos, provavelmente, a maioria, porque todo ser humano tem a capacidade de perceber algo que cá, no mundo, não existe, isto é, a eternidade, somos vistos de forma negativa por aqueles outros, descrentes. Estes tenderam a dominar, desde a modernidade, a produção do conhecimento e a sua reprodução. Veem, portanto, os que circulam entre o visível e o invisível com desprezo, desconfiança, medo, hostilidade e, muitas vezes, com ódio. Há uma forte inclinação, inclusive, a caracterizá-los como doentes mentais, principalmente nos últimos dois séculos. Afirmam, portanto, insistentemente, que há desencantamento sim, que a metafísica se afasta do mundo. Estará realmente se afastando? Ou vivemos, apenas, um período, socialmente limitado, de crise de Fé e de falta de atenção aos sinais do invisível?
Quando chegamos ao limiar do colapso da condição humana, o seu desmoronamento no mundo, é que a realidade eterna da essência torna-se irrenunciavelmente perceptível. E podemos, assim, distinguir os sinais e a presença da Eternidade. Não há, realmente, necessidade de examiná-la. Apenas a abraçamos.
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