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O colapso do Iluminismo



Edgard Leite Ferreira Neto


A vivência deste mundo visível é marcada pela transitoriedade. Tal precariedade da existência das coisas foi sempre anotada pelo ser humano, de diferentes maneiras. Os efeitos dessa realidade sobre a consciência, principalmente o sofrimento, tem sido também objeto de meditação contínua. Por outro lado, os sinais, diversos, claros, ambíguos e, às vezes, entendidos por contraditórios, recebidos do invisível, sempre foram reconhecidos como testemunhos de uma outra dimensão: a da eternidade.


Não é demais afirmar que a consideração da eternidade, por si só, perceptível neste mundo, exerce um efeito virtuoso sobre as consciências, na medida em que desperta o ser para os desafios infinitos que a transitoriedade contém, principalmente para a própria alma. Ao mesmo tempo que essa percepção sinaliza, naturalmente, a existência de uma realidade metafísica, que é fonte e destino. Para Buddha a eternidade era uma fantasia que surgia do desejo. Mas mesmo ele estabelecia a necessidade de uma reticência ontológica diante do mundo visível. E considerava destruidor, principalmente, a transformação do mundo em objeto de veneração. Ideia que lhe parecia totalmente absurda.


De fato, é esta uma questão central, sobre a qual também Deus discorreu, na Bíblia, ao contar a história da adoração do Bezerro de Ouro. Isto é: é fácil adorar as coisas do mundo e um pouco mais difícil aceitar o invisível, principalmente aquilo que este diz sobre o visível. Mas sendo mais fácil não quer dizer que seja razoável.


O Iluminismo, como fenômeno intelectual (pois é difícil entende-lo como evento social), foi sempre um crítico do invisível, principalmente a partir do século XVIII. E usualmente procurou, de uma forma ou de outra, trazer exclusivamente para este mundo o sentido das coisas. Isso era contestação ao pensamento e à tradição. Os alquimistas, por exemplo, entendiam que quando estavam tratando com a matéria lidavam, na verdade, com o espírito. Nunca acreditavam que qualquer movimento regular que disciplinasse os elementos pudesse ser explicado apenas a partir do mundo. Sustentavam, ao contrário, que tal movimento deveria ser entendido em função de categorias metafísicas.


O iluministas passaram a acreditar na infinita potência humana de entender totalmente o cosmo e controlá-lo. Tal tese, que culminou no positivismo, no marxismo, no hegelianismo e no freudismo, no século XIX, foi frustrada, no entanto, pelo próprio desenvolvimento das ciências. Este demonstrou que, no mundo, há leis sobre leis e que essas dão conta de algumas coisas mas não de todas. E hei sempre algo a ser descoberto, que é dissonante e extraordinário. Nas humanidades, em que pese todas as tentativas, não se encontraram leis que pudessem explicar, e portanto controlar, a capacidade humana de decidir livremente em qualquer direção.


O colapso do Iluminismo (como fenômeno intelectual, repetimos) já era perceptível no século XX, quando ficou evidente que a Física era um horizonte sem fim, que caminhar por ela sem levar em consideração os limites a serem observados no mundo, postos pela moral eterna, era potencializar a capacidade destruidora humana; ou quando se percebeu que nenhuma teoria sobre a história sobrevivia à própria história; ou quando foi compreendido que considerar o mundo, apenas ele, como origem e destino levou às maiores atrocidades que já foram presenciadas pela humanidade.


O século XXI assiste, nos parece, a insana guerra dos destroços do pensamento iluminista para reencontrar seu próprio sentido. Num claro desenvolvimento de sua crença na realização do sentido no mundo e fortalecido pelos progressos da ciência, vem promovendo ideias insustentáveis: a crença na capacidade do Homem de controlar tudo; que a ciência pode levar à imortalidade; que nada que existe pode subsistir diante da força da vontade humana; que não há pecados, portanto, apenas desejos a ser realizados. Sustenta que o ser humano é onipotente.


A percepção de que este mundo transitório é infinitamente vasto, de que nele, sem o olhar reverente para o infinito, só há sofrimento, ficou evidente no século XX, mas é verdade ainda razoavelmente oculta no século XXI. Afirma-se de forma absurda, ainda, que o invisível não tem qualquer papel no mundo. Sustenta-se que o Homem pode ser feliz apenas vivendo a perda, a morte, a destruição, sem transcender tal realidade. Nega-se a eternidade, sem a qual, no entanto, não há vida possível no tempo.


Nesse distanciamento impressionante da realidade, nessa negação da verdade, assistimos ao colapso desse pensamento que cultua o vazio, isto é, a matéria concebida enquanto ente desprovido de essência.


Sabemos que apenas na eternidade, de fato, pode-se encontrar sentido verdadeiro. E nas suas revelações, tão estudadas ao longo dos milênios, estão as soluções para lidar com o drama da existência humana. Essa antiga tradição está viva e irá, aos poucos, ressurgindo, quando mais se aprofunda o colapso daqueles que creem, acima de tudo, nos seus próprios desejos de transformar o mundo. Quando o mundo não apenas é maior que os desejos como também é fruto de uma potência que cria tudo que é desejável.

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