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O que somos sem amor?



Edgard Leite Ferreira Neto


Sem amor, o que somos? Perguntou Paulo, há dois mil anos (1Cr,13). E o fez com muita tranquilidade, diante da tragédia e dos impasses, não do amor, mas sim dos sentimentos humanos. Ele não se referia a esse tipo de sentimento que se chama, eventualmente, de amor e que muitos buscam nos outros, um tipo de fantasma impreciso e instável que dá forma, muitas vezes, a frágeis inspirações que habitam os corações e os corpos humanos.  Mas ele se referia a algo maior, cuja presença viva, por trás desses mesmos sentimentos imprecisos, é mistério que sufoca toda pretensão humana de ver limitado a este mundo o feixe de sentido das coisas.


Na busca cotidiana pelo amparo, pela ternura, pela entrega, se movem todos na busca de algo maior, um algo que não tem tempo, nem se esgota no momento e não se dissolve com o vento que varre a poeira das ilusões humanas. Porque a paixão pelo momento é imagem, no presente, de um mistério que move a consciência na direção de algo que não tem passado, nem presente, nem futuro, nem antes nem depois. À uma claridade que se mantém sempre iluminada, plena de paz infinita. E, por isso, temos todos razão quando, nessa nossa cotidiana busca pelo amor, recusamos a transitoriedade que torna em pântano as bocas humanas. E apontamos, inconscientes, muitas vezes, para algo que tudo sustenta. Algo que está muito além dos limites do presente, do visível e do perceptível pelos sentidos.


A imagem e a semelhança desse amor, podemos, no entanto, encontrar aqui, quando nos damos conta que aquilo que buscamos não é espelho do mundo, mas de algo infinito. E que já o vemos mesmo neste tempo, quando estabelecemos, em torno da fé, da esperança e da compaixão, uma dada forma de viver os sentimentos que ecoam em nós. Nela está presente a grandeza desse amor que não se consome nem termina nunca.


Esse amor maior que nos tranquiliza, no momento em que com ele estamos, vem de uma inteligência capaz de tocar com seu espírito nossas existências. Isso é evidente para aquele que se curva no nada de sua condição transitória, diante do universo vasto e do infinito misterioso. Encontramos, nesse movimento, a percepção de um amor que, de fora dos limites sem limites do cosmo, move as estrelas e tudo que há no universo. E, de forma muito simples e silenciosa, nesses breves momentos em que aqui vivemos, podemos, na amizade, no encontro, nos vínculos repletos de ternura, ou no silêncio diante de Sua onipresença, ter a certeza de sua existência, como força maior que vibra nos nossos sentimentos quando o Seu espírito ilumina nossas consciências. Ou que faz o milagre de transformar coisas em outras coisas, alterando suas substâncias e sentidos.


Sem essa busca e esse encontro, fácil, porque natural de nossa alma, e difícil, porque conduzida neste mundo de ruínas, o que somos? Sombras, cinzas que caminham, espectros arrastados para uma morte sem salvação.


Nos salvamos, pelo amor de Deus, da dor infinita que a natureza da decomposição da integridade humana nos concede e do desaparecimento perpétuo das formas que aqui nos dão prazer efêmero. Por isso quando nos amamos, uns aos outros, só há sentido e gratificação se a essência desse amor espelha a infinitude da eternidade divina. Se por ele, neste mundo, podemos perceber um outro mundo.

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